A Salvaguarda do Patrimônio Audiovisual: Ética, Princípios e Estratégia de Preservação

Comitê Técnico - Padrões, Práticas e Estratégias Recomendadas

A Salvaguarda do Patrimônio Audiovisual: Ética, Princípios e Estratégia de Preservação (IASA-TC 03).

Will Prentice e Lars Gaustad (ed.)
Colaboradores:
Kevin Bradley, National Library da Austrália, Carl Fleischhauer, Library of Congress, Lars Gaustad, National Library da Noruega e Chefe do CT da IASA, Bruce Gordon, Harvard University, Will Prentice, British Library, Dietrich Schüller, Phonogrammarchiv, Tommy Sjøberg, Folkmusikens Hus

Revisado pelos membros do Comitê Técnico da IASA

Tradução: Ariane Gervásio e Marco Dreer
Revisão: Carlos Roberto de Souza, Igor Calado e Ines Aisengart Menezes
Traduzido e revisado pelos membros da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA)

4ª edição, 2017

O objetivo deste documento

Com este documento, o Comitê Técnico da Associação Internacional de Arquivos Sonoros e Audiovisuais busca informar sobre o desafio, em constante desenvolvimento, da salvaguarda do patrimônio audiovisual, e oferecer princípios e estratégias gerais de preservação. Estas recomendações identificam nossas tarefas enquanto arquivos, a natureza dos objetos pelos quais somos responsáveis, as armadilhas potenciais e as áreas problemáticas da preservação, e orientam o leitor a se concentrar naquilo que é mais importante em seus documentos, a fim de ampliar a permanência destes em um futuro desconhecido

Nossa intenção é informar tanto aqueles com responsabilidades financeiras quanto os envolvidos com os aspectos mais técnicos da preservação, de modo que o IASA-TC 03 capacite ambos a encontrar soluções apropriadas que abranjam essas perspectivas. Métodos e detalhes técnicos mais específicos sobre preservação de áudio estão devidamente abordados na publicação IASA-TC 04: Diretrizes para a Produção e a Preservação de Objetos Digitais de Áudio (Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects). Quanto à preservação de vídeo, a próxima publicação, IASA-TC 06: Diretrizes para a Preservação de Gravações em Vídeo (Guidelines for the Preservation of Video Recordings), perseguirá o mesmo objetivo.

O futuro da preservação dos materiais digitais a longo prazo será o estabelecimento de um trajeto entre as escolhas que fazemos agora e as que deveremos fazer no futuro. Precisamos agir agora, de forma decisiva, mesmo que saibamos que os avanços tecnológicos não necessariamente se alinharão com essas escolhas. Ainda que nenhuma escolha seja a final, uma decisão bem fundamentada considerará o processo de navegar rumo ao novo.

As principais alterações na presente revisão envolvem uma ampliação do escopo, com a finalidade de incluir conteúdos de imagem em movimento, além de um maior reconhecimento do predomínio dos materiais armazenados em arquivos digitais, em conjunto com os correspondentes materiais armazenados em suportes físicos. Embora haja mudanças significativas na linguagem utilizada nesta versão, os princípios estruturais do documento não foram alterados em sua essência.

0. Considerações éticas

Este documento não é um Código de Ética voltado aos aspectos da arquivística sonora e audiovisual. Princípios éticos gerais para arquivos sonoros e audiovisuais (doravante designados conjuntamente como audiovisuais, salvo indicação em contrário) estão contemplados na Publicação Especial da IASA 06 Princípios Éticos para Arquivos Sonoros e Audiovisuais (Ethical Principles for Sound and Audiovisual Archives).

Os princípios que norteiam este documento podem ser resumidos na seguinte declaração:

A preservação nos permite transmitir a nossos descendentes o máximo de informações contidas em nossos acervos, dentro do que é possível realizar em nosso ambiente de trabalho. Um arquivo tem a responsabilidade de avaliar as necessidades de seus usuários atuais e antecipar na medida do possível as necessidades dos usuários futuros, equilibrando essas necessidades com as condições do arquivo e de seus documentos.

1. A tarefa dos arquivos audiovisuais

Uma das responsabilidades centrais de um arquivo é garantir acesso permanente à informação. Para conseguir isso é essencial a preservação das informações, o que, no caso de materiais audiovisuais, exige o cumprimento de três tarefas inter-relacionadas:

  1. A estabilidade e a perfeita leitura do suporte físico que contém as informações devem ser preservadas, tanto quanto possível através do uso das melhores práticas. Isso se aplica igualmente no caso de informações armazenadas de forma analógica ou digital, em arquivos digitais ou de qualquer outra natureza.
  2. O sistema tecnológico necessário para acessar as informações (equipamentos de reprodução, peças de reposição, softwares para reprodução e migração de formatos, conhecimento especializado etc.) deve ser ele próprio mantido e renovado, com capacidade suficiente para atender as dimensões do acervo.
  3. Medidas devem ser tomadas a fim de transferir as informações para outros formatos de arquivo digital – acessíveis de forma permanente – enquanto o acesso às informações originais ainda for possível, de modo a assegurar que a digitalização ou a transcodificação do acervo não comprometa o conteúdo sonoro e/ou visual, e outras informações correlatas.

Comentários:

Exemplos do que constituem as melhores práticas de preservação audiovisual podem ser encontrados em IASA-TC 05: Manuseio e Armazenamento de Suportes de Áudio e Vídeo, 2014 (Handling and Storage of Audio and Video Carriers); IASA-TC 04: Diretrizes para a Produção e a Preservação de Objetos Digitais de Áudio, 2ª edição, 2009 (Production and Preservation of Digital Audio Objects); e IASA-TC 06: Diretrizes para a Preservação de Gravações em Vídeo (Guidelines for the Preservation of Video Recordings) (disponível em breve).

O desafio de assegurar o acesso permanente a formatos de arquivo digital por meio do gerenciamento de dados digitais está no âmago da arquivística audiovisual contemporânea (ver seções 12 e 13).

Os avanços tecnológicos podem eventualmente permitir que modernos equipamentos de reprodução analógicos capturem mais informações de áudio dos suportes do que era possível no momento da gravação. Isso não se aplica atualmente para o caso do vídeo, muito mais dependente dos equipamentos de reprodução originais. Técnicas modernas usadas na transferência de vídeos analógicos podem melhorar a captura do sinal.

Por uma série de motivos, alguns documentos mantidos nos arquivos audiovisuais, ou a eles oferecidos, não são registros originais, mas cópias. Para fins de digitalização e preservação, essas cópias devem ser consideradas originais, salvo quando cópias de gerações anteriores ou de melhor qualidade possam ser acessadas através de uma cooperação com outros detentores de acervos (ver seções 6 e 16).

Embora a reunião e a manutenção de coleções propriamente ditas estejam fora do escopo deste documento, existem aspectos éticos e estratégicos na relação entre um arquivo e seus potenciais colaboradores que devem ser abordados aqui. As mudanças tecnológicas têm democratizado cada vez mais a criação de conteúdos sonoros e audiovisuais, e aumentado o número de formatos nos quais os materiais são criados. Grande parte desses materiais pode, em algum momento, encontrar um lugar legítimo dentro de um arquivo, e, pelas razões abaixo discutidas, o formato no qual um conteúdo é criado ou apresentado pode ter um efeito significativo no uso posterior desses materiais e em sua preservação. Portanto, é importante conscientizar os potenciais colaboradores dos arquivos – sejam produtores profissionais, seja o público em geral – a respeito das consequências do uso da compressão de dados, de codecs proprietários e de outros métodos comprometedores de conteúdo, descritos nas seções 10 e 11.

2. Informação primária e informação secundária

Qualquer documento arquivístico contém vários tipos de informação. Alguns podem ser considerados informação primária. Esta inclui obviamente o conteúdo audível ou visível de duração temporal, ou seja, os sinais de som e/ou imagem. Outros tipos de informação podem ser considerados secundários, pois desempenham um papel contextual ou de apoio em relação à informação primária. Isso pode incluir, por exemplo, a informação sobre os conteúdos (escrita talvez sobre um suporte físico), a informação sobre o próprio suporte ou, no caso de vídeo, o timecode embutido na própria faixa de vídeo.

Tanto as informações primárias quanto as secundárias fazem parte do documento audiovisual, esteja ele contido em um suporte ou em um arquivo digital. A importância de ambas varia conforme o conteúdo, o tipo de suporte e as necessidades dos usuários – atuais e futuros. A informação secundária, entretanto, torna-se um fator crucial na autenticação da informação primária transferida de um outro formato de suporte, e como fonte potencial para estudos e pesquisas. A informação secundária pode estar presente em conteúdos nativos digitais armazenados em arquivos digitais ou em conteúdos armazenados em suportes físicos. Quando um conteúdo armazenado em um arquivo digital é migrado de formato, ou quando um conteúdo armazenado em um suporte físico é transferido para arquivos digitais, deve se tomar cuidado para que a informação secundária não se perca. A combinação básica de informações primárias e secundárias é necessária para preservar permanentemente a essência de um documento, e é responsabilidade do arquivo definir de forma explícita essa combinação de informações através da análise criteriosa do uso real e potencial, bem como de considerações éticas, legais e outras institucionalmente regulamentadas.

Comentários:

Todos os metadados podem ser considerados informações secundárias, inclusive os dados acionados por máquinas para funcionalidades específicas, como os menus de DVDs e de jogos eletrônicos.

Em relação a vídeo, os termos “dados complementares” ou “dados associados” são utilizados frequentemente para descrever elementos como timecode, legendas e qualquer outra informação que não seja estritamente sonora ou visual.

Os suportes físicos podem frequentemente ser considerados como objetos culturais significativos por si próprios, como, por exemplo, os discos fonográficos produzidos em série. O valor intelectual e cultural das capas e dos rótulos dos discos comerciais deve ser levado em consideração.

Os pesquisadores podem considerar de especial interesse a informação secundária contida nos timecodes de vídeos, uma vez que podem fornecer indicações sobre os processos de edição de um produtor de TV.

Ao se digitalizar filmes, é importante, por questões de autenticidade, digitalizar todas as informações escritas ou registradas na película antes e depois das imagens principais, inclusive o formato e a dimensão das perfurações, seja como parte da cópia de preservação, seja pelo menos nos metadados.

3. A instabilidade e a vulnerabilidade dos suportes audiovisuais

A preservação de longo prazo do suporte original de documentos tradicionais em papel e película é, salvo exceções, geralmente factível. Textos impressos ou manuscritos, assim como documentos fixados em película, podem se manter inteiramente legíveis mesmo quando danificados; por outro lado, a natureza contínua e baseada na duração temporal dos documentos audiovisuais implica em que qualquer comprometimento na integridade do documento resulte na perda da informação.

Além disso, suportes audiovisuais são em geral mais vulneráveis do que documentos textuais convencionais a danos causados por manuseio inadequado, equipamentos sem manutenção ou armazenamento inadequado. Muitos suportes audiovisuais – principalmente os registros magnéticos, os discos laminados instantâneos e as películas com base de nitrato – têm expectativa de vida relativamente curta devido a suas composições físicas. Enquanto a escrita possui alto grau de redundância – o que mantém os documentos de texto frequentemente legíveis mesmo quando deteriorados – os documentos audiovisuais são representações de fatos e processos físicos: sua redundância é baixa, uma vez que cada detalhe é uma informação potencial que precisa ser preservada, o que demanda os mais elevados padrões de integridade possíveis.

Esses fatores levaram ao desenvolvimento de um amplo conjunto de melhores práticas voltadas para o armazenamento e a limpeza dos suportes, bem como para a transferência de conteúdo para formatos de arquivo digital. A conservação preventiva é analisada em detalhes em IASA-TC 05: Manuseio e Armazenamento de Suportes de Áudio e Vídeo.

Em função da alta densidade de informações, os suportes digitais são em geral mais vulneráveis à perda de informação devido a danos do que os suporte analógicos. As preocupações quanto à expectativa de vida surgem particularmente no caso das mídias de armazenamento utilizadas na maioria dos sistemas de guarda e gerenciamento de dados computacionais. Sua vida útil é em geral curta – de três a dez anos – devido a uma combinação da obsolescência do sistema com a do formato da mídia de armazenamento, bem como devido aos riscos relacionados à alta densidade de informações contidas nas mídias de armazenamento de dados.

Comentários:

A alta densidade de dados e o risco da perda de dados são motivos de especial preocupação em se tratando de suportes de vídeo digital contendo fita magnética de Metal Evaporado (ME).

O nível de risco de um suporte dependerá em parte de sua vulnerabilidade à deterioração e danos. Dependerá também das condições de armazenamento nas quais o suporte é conservado, da qualidade e da manutenção dos equipamentos de reprodução, e das habilidades profissionais do operador.

Os suportes digitais poderão falhar sem aviso prévio e sem apresentar os indícios audíveis ou visíveis de degradação crescente que os suportes analógicos em geral apresentam. Um dano à estrutura lógica de um suporte digital também pode tornar o conteúdo inacessível.

4. Obsolescência de formatos

Nenhum formato, seja em suporte físico ou em arquivo digital, poderá ser reproduzido para sempre – e para alguns mesmo, seu fim está previsto. A partir da década de 1990, houve uma clara transição dos formatos em suporte, que armazenam conteúdos de uma maneira específica a uma mídia física particular, para formatos de arquivo digital que armazenam conteúdos sob a forma de dados em um ambiente computacional. Essa obsolescência de formatos impulsionada pelo mercado nos obriga a reconhecer que o período de tempo em que era possível a preservação digital de conteúdos armazenados em suporte é finito. Além de certo ponto, a manutenção de sistemas de reprodução obsoletos tornar-se-á inviável e, assim, o acesso a conteúdos armazenados em determinadas mídias será impossível.

O efetivo tempo disponível para reformatar digitalmente conteúdos armazenados em suportes pode ser estendido de alguma forma, através da cuidadosa estocagem de equipamentos, peças de reposição, manuais de serviço e outros acessórios que já foram ou que serão descontinuados em breve, bem como através da conservação criteriosa de habilidades técnicas operacionais e de manutenção. Isso também variará de acordo com o formato, mas, de qualquer maneira, trata-se de algo finito. Desde 2016 é amplamente reconhecido pela comunidade arquivística audiovisual mundial que temos entre dez e quinze anos para preservar digitalmente todos os conteúdos audiovisuais armazenados em suportes que utilizam mídias magnéticas. Aliás, no caso de alguns formatos magnéticos como fitas de vídeo MII, a recuperação do conteúdo já é praticamente impossível. Desse modo, por volta de 2030, a digitalização até mesmo das mídias magnéticas mais comuns poderá estar fora do alcance da maioria dos arquivos. Para outros formatos, o período de tempo poderá ser maior ou menor.

Para conteúdos armazenados digitalmente, a obsolescência do formato do suporte, do sistema operacional ou dos formatos específicos do codec ou do arquivo contêiner podem colocar em risco tanto os próprios bits quanto a capacidade de se interpretar os bits de modo compreensível. No entanto, o fato de esses problemas serem comuns a toda a indústria moderna faz com que sejam mais facilmente administráveis do que os apresentados por formatos audiovisuais antigos – utilizados por mercados consumidores específicos.

5. Salvaguarda da informação

a. Através da preservação do suporte

Embora a vida dos suportes audiovisuais não possa ser prolongada indefinidamente, devem ser feitos esforços para preservá-los em boas condições de uso, enquanto isso ainda for viável.

No caso dos conteúdos armazenados em suporte, a preservação do suporte requer um armazenamento em ambiente adequado a esse propósito, com a devida separação das fontes de informação primárias e secundárias, bem como a execução de procedimentos periódicos de manutenção e limpeza, quando necessários. A manutenção envolve a verificação constante de sinais e quadros de referência, quando disponíveis, nos suportes analógicos e a verificação constante da integridade de dados nos suportes digitais. Além disso, o equipamento utilizado para o manuseio e a reprodução deve estar de acordo com as exigências físicas dos suportes. A preservação envolve minimizar o uso de materiais originais por meio da disponibilização das cópias de acesso.

b. Através da duplicação posterior das informações

Uma vez que a expectativa de vida dos suportes e a disponibilidade dos equipamentos são limitadas, a preservação dos documentos em um longo prazo somente poderá ser alcançada pela duplicação dos conteúdos para novos suportes/sistemas, enquanto isso for possível.

No domínio analógico, a informação primária sofre um aumento de degradação a cada vez que é copiada. Apenas o domínio digital oferece a possibilidade da duplicação sem perda de qualidade, no momento do refrescamento (refreshing) ou migração dos documentos, desde que realizada cuidadosamente (ver seção 12). Portanto, para a preservação de longo prazo da informação primária armazenada em um suporte analógico é necessário, em primeiro lugar, transferi-la para o domínio digital.

Separar a informação primária do seu suporte original suscita a questão da futura autenticação do som e das imagens. Os futuros usuários podem ter acesso apenas a um documento audiovisual sob a forma de uma cópia em arquivo digital. Nesse caso, aumenta a importância da informação secundária e contextual adequada. A informação secundária estampada visualmente em embalagens de fitas, em capas e rótulos de discos pode ser mais bem capturada e armazenada em arquivos de imagens associados. Nesse caso, essa informação deverá ser documentada e reproduzida de acordo com padrões arquivísticos reconhecidos para gerar tais conteúdos. Outros tipos de informação secundária, como descrições do formato original, podem assumir a forma de metadados de preservação, e, desse modo, devem ser registrados de maneira sistemática e disponibilizados juntamente com a informação primária (ver seção 14). Dessa forma, os futuros usuários poderão ter mais segurança quanto à autenticidade do documento.

6. Seleção da melhor cópia e preparação do suporte

Um arquivo pode guardar várias cópias de determinado conteúdo, inclusive talvez gravações comerciais de áudio e películas cinematográficas. Quando a coleção incluir mais de uma cópia, a melhor deveria ser escolhida antes da transferência de seu conteúdo. No caso de gravações magnéticas ou de registros sonoros ou de vídeo armazenados em arquivos digitais, um arquivo ou uma empresa produtora podem ter várias versões para diferentes propósitos, como, por exemplo, uma matriz e uma cópia gerada para algum tipo de distribuição. Neste caso também, alguns cuidados deveriam ser tomados na escolha da cópia mais apropriada, antes do processo de transferência. Além disso, alguns procedimentos criteriosos e adequados de limpeza e restauração podem ser necessários para otimizar a captura e a reprodução do sinal.

Comentários:

No caso de suportes produzidos em série – especificamente mecânicos e ópticos – a qualidade de reprodução de diferentes cópias pode variar consideravelmente em função da maneira como foram previamente manuseadas e armazenadas. Dessa forma, pode ser proveitoso ampliar a pesquisa por melhores cópias a outras coleções, em escala nacional ou mesmo internacional (ver seção 16).

Registros não produzidos em série frequentemente podem estar disponíveis em duas ou mais versões. Um registro armazenado em seu suporte original (fita de rolo, fita cassete, película etc.), pode, por exemplo, também ter sido copiado para uma matriz de arquivo. Embora a matriz arquivística (ou uma cópia de primeira geração) possa muitas vezes estar em melhores condições físicas, a qualidade do sinal talvez seja pior em função de uma tecnologia de transferência mais antiga e inferior, além da inevitável degradação de sinal causada pelo processo de duplicação analógica. Em consequência, deve-se comparar a qualidade do sinal das diferentes cópias disponíveis.

Procedimentos adequados de limpeza e restauração podem melhorar significativamente a captura do sinal. No entanto, o máximo de cuidado deve ser tomado a fim de contrabalançar os possíveis benefícios com os riscos de danos maiores, causados ao submeter suportes frágeis ou em deterioração a tais procedimentos. Uma prática recomendável é reduzir sempre ao mínimo o manuseio dos suportes.

Alguns suportes podem estar tão danificados que até mesmo uma tentativa de reproduzi-los pode colocar em risco seu conteúdo. Em tais casos, deve-se tomar uma decisão criteriosa e bem fundamentada entre a probabilidade de dano causado pela reprodução imediata e o adiamento da reprodução até que uma tecnologia de reprodução menos arriscada esteja disponível.

7. Captura ideal de sinal a partir de suportes originais

A captura ideal de um sinal analógico, em que distorções de reprodução são mantidas num mínimo absoluto, só pode ser alcançada por meio de equipamentos de reprodução modernos e bem conservados, idealmente de última geração. Ao se reproduzir formatos históricos, alguns parâmetros de reprodução (como velocidade, equalização, formato de pista, tipo de estabilização de base temporal etc.) devem ser escolhidos de maneira objetiva e baseados no conhecimento do formato histórico específico.

Alguns ajustes no equipamento de reprodução podem ser necessários, a fim de que possam estar de acordo com as características originais de gravação e para otimizar a captura do sinal gravado. O erro de azimute, por exemplo, é comum em gravações analógicas de fita magnética, e somente pode ser corrigido durante a reprodução do suporte original, no momento da digitalização. Do mesmo modo, o print-through relacionado a condições de armazenagem deve ser minimizado no momento da captura do sinal. Outras imprecisões pequenas no ajuste do percurso da fita das gravações originais também podem provocar um aumento considerável e evitável de erros.

Em relação ao vídeo, alguns tipos de dropouts são mais bem neutralizados no momento da transferência. Quando uma película é copiada, alguns riscos podem ser mais bem eliminados ou suprimidos através do uso de um banho líquido na copiadora, no momento da transferência. Em uma transferência realizada por meio de escâner digital, o uso de fontes de luz difusa específicas pode provocar o mesmo efeito.

A fim de reduzir possíveis danos aos suportes originais, os equipamentos de reprodução devem receber manutenção permanente de acordo com normas profissionais. De modo a auxiliar nisso e para diagnosticar problemas que possam vir a surgir, instrumentos de calibragem compatíveis com os equipamentos de reprodução deverão ser utilizados sempre que disponíveis.

No caso de formatos digitais armazenados em suportes, diferentes equipamentos de reprodução ou leitura podem capturar dados de um mesmo suporte de diferentes maneiras, sendo que nem todos apresentarão de forma satisfatória o fluxo de bits para o processo de transferência. Para avaliar e detectar esses problemas é fundamental um monitoramento de erros durante a reprodução, realizado em tempo real, ou um relatório de erros gerado após a captura feita em alta velocidade. A presença de erros que não puderam ser corrigidos – e que foram copiados para os arquivos de preservação resultantes – deve ser documentada.

Os formatos digitais armazenados em suportes podem conter vários tipos de informações de subcódigo, ou seja, informações secundárias registradas em paralelo ao fluxo de bits da informação primária. As incompatibilidades entre os dispositivos de gravação e de reprodução podem fazer com que essas informações sejam capturadas de maneira incorreta, ou nem o sejam. É extremamente importante entender as propriedades de um determinado formato ou coleção, inclusive quaisquer informações de subcódigo, e definir qual seria a combinação de informações primária e secundária mínima necessária antes da sua digitalização (ver seção 2).

Não é sempre tarefa fácil avaliar os parâmetros de reprodução corretos para um determinado documento audiovisual analógico quando não estão disponíveis as informações objetivas a respeito dos parâmetros do formato de gravação. Assim como em outros campos da pesquisa histórica, o uso de aproximações cuidadosamente escolhidas é permitido, quando necessário. No entanto, por uma questão de princípio, decisões como essas devem ser documentadas, e deve-se evitar etapas que não possam ser revertidas. Quaisquer tratamentos desnecessários, de ordem subjetiva, devem ser aplicados somente a cópias de acesso.

Comentários:

A captura inadequada de sinal a partir de documentos originais é quase sempre resultado da falta de conhecimento profissional ou do uso de equipamentos inapropriados. Ao se reformatar materiais problemáticos, é difícil superestimar a importância das capacidades e da experiência dos operadores, assim como a disponibilidade de equipamentos específicos. As pistas de som óptico das películas cinematográficas, por exemplo, podem ser bem difíceis de se transcrever, e o uso de equipamentos altamente especializados pode ser fundamental.

Em algumas circunstâncias, pode ser apropriado utilizar uma abordagem de vários níveis para a escolha dos parâmetros de reprodução. Isso pode envolver a digitalização e a criação de arquivos digitais de preservação sem procedimentos de equalização, sendo a equalização aplicada somente durante a criação de arquivos digitais de acesso ou através de um software, no momento do acesso.

Quando os processos de transferência de película que utilizam uma única luz são considerados apropriados, por exemplo, a saída RGB deverá ser ajustada no sentido de se obter o máximo de informações de cor de cada canal, de modo a corrigir o esmaecimento de cor sem a introdução de qualquer distorção.

Melhores práticas para a transcrição de películas para preservação ainda estão em desenvolvimento, inclusive um trabalho de ponta em estudo sob os auspícios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Academy of Motion Picture Arts and Sciences, AMPAS) e da Sociedade de Engenheiros de Cinema e Televisão (Society of Motion Picture and Television Engineers, SMPTE). Esses novos avanços ajudarão a padronizar métodos que terão um impacto especial na captura de cor e na representação da variação tonal das películas originais. No entanto, os sistemas que implementam esses novos avanços ainda não estão amplamente disponíveis. Além disso, esses métodos ainda não foram empregados em instituições de memória.

Ainda é amplamente negligenciada a captura sistemática de informações de subcódigo de formatos digitais armazenados em suporte como método de proteção de informações secundárias importantes. Em grande medida, isso se deve à incompatibilidade entre os formatos de subcódigo de diferentes reprodutores e interfaces. Até o momento, poucos padrões – se é que algum – foram amplamente adotados para a conservação futura dessa informação para formatos de arquivo digital. Problemas de compatibilidade também podem ser encontrados com frequência durante a reprodução de discos ópticos graváveis ou regraváveis.

Os princípios descritos nesta seção se aplicam, de maneira inequívoca, aos casos em que as informações primárias existem sob a forma de registros documentais, seja documentando performances artísticas ou outras formas de expressão. Porém, caso as informações primárias existam como parte de uma obra de arte – quando, por exemplo, uma escultura ou uma instalação artística possuem um componente audiovisual – pode haver a exigência ética adicional de se preservar as distorções originais da reprodução, havendo, portanto, uma divergência desses princípios com a finalidade de respeitar as intenções do artista. Pode ser necessário determinar as intenções do(s) criador(es) original(is) para se escolher como esses objetos artísticos podem ser melhor representados em um ambiente baseado em arquivos digitais.

8. Transferência sem alterações para um novo formato-alvo

É obrigatório que as transferências feitas de antigos para novos formatos arquivísticos sejam conduzidas com a intenção de produzir os resultados mais fiéis possíveis. Fundamentalmente, devem-se evitar alterações subjetivas ou “aprimoramentos”, como a eliminação de ruídos ou a diminuição dos grãos de um filme. Alterações subjetivas efetivamente reescrevem o documento histórico de acordo com a perspectiva do operador que realiza a modificação, o que compromete os mais básicos princípios da preservação.

O sinal que o engenheiro responsável pela gravação original pretendeu capturar é apenas parte de um determinado documento audiovisual. Os artefatos acidentais ou indesejáveis (por exemplo, ruídos, distorções, dropouts) também fazem parte dele, tenham sido eles causados pelas limitações da tecnologia de gravação da época, ou adicionados posteriormente ao sinal original pelo uso geral ou pelo manuseio e armazenamento inadequados.

Em alguns casos, supostas “imperfeições” em uma gravação podem ser corrigidas, de maneira objetiva, no momento da digitalização por meio do ajuste dos parâmetros de reprodução, com o objetivo de capturar da melhor forma o sinal pretendido (ver seção 7). No entanto, em linhas gerais, tanto o sinal quanto os artefatos deveriam ser preservados com o máximo de precisão. É essencial que toda a faixa dinâmica, a resposta de frequência e/ou a resolução de imagem do original sejam capturadas.

Do mesmo modo, é essencial documentar de maneira cuidadosa todos os parâmetros escolhidos e procedimentos empregados no processo de transferência.

Comentários:

Alterações na transferência de formatos antigos para novos são inevitáveis em algumas circunstâncias, como, por exemplo, ao se converter um sinal analógico de vídeo composto para um outro sistema de cor, em fluxo de bits digital para um fluxo de bits digitais com separação de cor.

9. Preservação de suportes e sistemas de reprodução depois da transferência

Pode ser que, no futuro, os desenvolvimentos tecnológicos permitam uma obtenção mais adequada da informação de suportes audiovisuais físicos. Da mesma forma, novas descobertas e metodologias de pesquisa poderão permitir que os usuários identifiquem informações secundárias adicionais nos suportes originais.

Dado esse potencial de melhorias na recuperação de informações, a transferência de informações primárias e secundárias de formatos de base físicas não pode ser considerada definitiva. Suportes físicos originais e equipamentos de reprodução adequados devem, portanto, ser preservados após a digitalização de seu conteúdo, sempre que possível.

No entanto, é possível que a degradação do suporte, a obsolescência tecnológica e o custo do processo de digitalização impeçam tentativas posteriores. Qualquer transferência, portanto, deve ser realizada de acordo com os mais altos padrões disponíveis na ocasião.

Comentários:

Suportes originais analógicos de som podem conter informações secundárias que estão fora da faixa de frequência das informações primárias e que podem ajudar a corrigir imprecisões da gravação original. A maioria das atuais tecnologias de transferência ocasiona a perda total dessas informações. Para fitas magnéticas analógicas de áudio, por exemplo, informações sobre flutuações de velocidade (wow e flutter) podem ser encontradas nas variações da frequência de polarização reproduzida, em interferência de variação de corrente elétrica ou ruído de fundo. Os processos que podem usar essas informações para corrigir as informações primárias estão disponíveis atualmente e podem se tornar parte das rotinas de migração futuras.

Outra melhoria recente na tecnologia de transferência de áudio é a digitalização óptica sem contato de conteúdo primário a partir de suportes de som mecânicos. Práticas melhores ainda precisam ser desenvolvidas, no entanto, veja os comentários da seção 10.

10. Formatos digitais alvo e exatidão

Assim como em todas as formas de tecnologia digital, os esquemas de codificação digital estão sujeitos a um desenvolvimento contínuo. Portanto, a discussão sobre os formatos mais apropriados para a preservação também continuará a evoluir. Independentemente das opções disponíveis, contudo, vários princípios podem ser aplicados na escolha de formatos de destino.

  • Os formatos de arquivo digital oferecem maior segurança de dados e capacidade de monitoramento de integridade do que os suportes físicos que contêm fluxos de dados (como DAT, CD de áudio ou Betacam Digital).
  • Ao transferir conteúdos digitais baseados em suporte físico (por exemplo, formatos DAT ou cassete DV), o arquivo resultante deverá, quando se julgar apropriado, reter o esquema de codificação do fluxo original de dados. Quando isso não for apropriado, por exemplo, quando tiver sido usado um esquema de codificação proprietário e com perdas (veja a seção 11), deveria ser escolhido um esquema de codificação que preserve a integridade do original.
  • Um requisito essencial de qualquer formato digital de arquivo é que os esquemas de codificação usados com propósito de preservação sejam definidos abertamente e não sejam de propriedade de um número limitado de fabricantes.
  • Quando há pouco ou nenhum consenso da comunidade arquivística sobre a escolha do formato alvo para uma determinada finalidade, o arquivo deve escolher um formato com relação ao qual possa estar relativamente confiante de sua própria habilidade de manter de forma sustentável. Isso pode exigir a disponibilidade de recursos suficientes, inclusive conhecimento especializado, bem como o suporte amplo da indústria para o formato escolhido.
  • Um arquivo deve garantir que o formato alvo escolhido conserve a necessária combinação mínima de informações primárias e secundárias.

Comentários:

Geralmente, os registros matrizes de preservação são realizadas em um formato alvo que consiste em um arquivo único, no qual um contêiner carrega a informação primária de som ou de som e imagem, juntamente com informações secundárias como legendas, subtítulos, timecode e outros dados auxiliares. Em alguns casos, entretanto, as informações secundárias podem estar contidas no que algumas vezes chamamos de arquivos paralelos (sidecar). Essa abordagem não é incomum para legendas de tradução e de acessibilidade, e pode ser usada para materiais secundários, como rótulos de discos.

Para áudio, o formato Broadcast WAVE (BWF) tornou-se um padrão de fato. Este formato é oficialmente recomendado pelo Comitê Técnico (ver IASA-TC 04, 6. 1. 2. 1). Os arquivos Broadcast WAVE, como todos os arquivos WAVE, não podem exceder 4 GB de tamanho e são limitados a gravações mono ou estéreo de dois canais. Para maiores quantidades de dados de som e múltiplos canais de áudio, a União Europeia de Radiodifusão definiu o arquivo RF64 BWF com um tamanho máximo de aproximadamente 16 exabytes e com até 18 canais.

Para a digitalização de gravações analógicas originais de áudio, a IASA recomenda uma resolução digital mínima de 48 kHz de taxa de amostragem com comprimento de palavra de 24 bits, usando codificação LPCM (linear pulse code modulation). Em instituições de patrimônio/ memória, a resolução de 96 kHz / 24 bits foi amplamente adotada. Transferências melhores de partes acidentais de um documento sonoro (ver seção 8) tornarão possível, no futuro, a remoção mais fácil desses artefatos através de processamento de sinais digitais no momento de fazer cópias de acesso. Devido ao caráter intermitente das consoantes, as gravações de fala devem ser tratadas como gravações de música.

Quando as informações primárias de gravações sonoras de discos e cilindros são capturadas por técnicas de escaneamento óptico sem contato, os próprios dados de escaneamento podem ser o elemento principal no arquivo matriz de preservação, mais do que resultar em um fluxo de bits de áudio derivado convencional.

Em instituições de memória, os formatos alvo de matrizes de preservação de imagens em movimento ainda estão em fase inicial de implementação. Para vídeo, várias instituições têm usado uma variante do contêiner MXF padronizada pela SMPTE, com o sinal de imagem codificado como JPEG 2000 de compressão sem perdas. Ao mesmo tempo, outras instituições avançam com a codificação sem perdas em FFV1, transportando o sinal de imagem e trilhas sonoras correspondentes em contêineres como QuickTime, Matroska ou AVI.

O formato alvo mais frequente para a digitalização de filmes em instituições de memória é o DPX, padronizado pela SMPTE. Enquanto isso, alguns arquivos exploram abordagens que permitirão o transporte de sinais de som e imagem sincronizados no mesmo contêiner e/ou a capacidade de incorporar dados adicionais de tom e de cor. Estas explorações implicam na reformatação dos sinais de imagem (e trilhas sonoras) inicialmente capturados em DPX para formatos de matrizes de preservação como os escolhidos para vídeo, por exemplo, o JPEG 2000 sem perda em MXF ou FFV1 em QuickTime ou Matroska.

Em alguns casos, pode ser praticamente impossível migrar conteúdos audiovisuais. Isto pode se dever a alguma funcionalidade integral específica como a encontrada, por exemplo, nos videogames, ou ao uso da tecnologia de proteção contra cópias. O acesso futuro (e, portanto, a preservação) pode, portanto, depender da emulação dos sistemas operacionais originais e/ou softwares aplicativos.

Os arquivos podem incorporar materiais em formas de arquivo digital, cuja transcodificação para formatos arquivísticos pode resultar em alterações irreversíveis na representação do conteúdo. Em tais casos, a autenticidade e a perspectiva de melhores métodos de transcodificação no futuro devem ser consideradas. A instituição pode optar por manter o arquivo original (tal como foi incorporado), bem como uma versão transcodificada, considerada a melhor opção para a capacidade de reprodução de longo prazo, ou simplesmente transcodificar, manter as novas cópias e apagar as originais. A última opção pode ser aplicada particularmente em casos “limite”, como clipes de vídeo que foram reunidos como parte de um projeto de coleta na web.

A muito longo prazo, a migração posterior de qualquer formato parece inevitável. Portanto, sempre que possível, um arquivo deve buscar assegurar que a migração futura de qualquer formato alvo escolhido preserve essa informação.

11. Compressão e redução de dados

Para objetivos de preservação de longo prazo, os formatos alvo que empregam redução de dados (em geral chamada incorretamente de “compressão” de dados) não devem ser usados na codificação de registros de originais analógicos ou digitais lineares. Os chamados “codecs com perdas”, baseados na codificação perceptiva, resultam na perda irremediável de partes da informação primária. Os resultados de tal redução de dados podem parecer idênticos ou muito semelhantes ao sinal linear não reduzido, mas o uso posterior do sinal de dados reduzidos muito provavelmente resultará na degradação do conteúdo primário.

Embora a princípio não haja objeções quanto ao uso da compressão sem perdas (totalmente reversível), qualquer economia resultante em custos de armazenagem precisa ser contraposta ao aumento do risco de que as ferramentas necessárias para decodificar os arquivos possam, no futuro, estar indisponíveis ou não ter suporte suficiente. Os esquemas de compressão de dados, com perdas ou sem perdas, produzem fluxos de dados que são mais suscetíveis a pequenos erros de leitura do que os fluxos codificados lineares e, portanto, o conteúdo desses fluxos compactados tem mais probabilidade de ser corrompido por esses erros do que o de um fluxo codificado linear.

Este princípio arquivístico também deve ser aplicado, sempre que possível, à criação de registros originais feitos com a intenção de serem arquivados. No entanto, se chegar à instituição de guarda um conteúdo que tenha sido registrado num formato não linear e reduzido de dados, ele deve ser preservado fielmente como tal.

Comentários:

A redução de dados é uma ferramenta poderosa na disseminação do conteúdo audiovisual. Seu uso para preservação, porém, é contrário ao princípio ético de preservar o máximo possível da informação primária. A redução de dados não permite a restauração do sinal a sua condição original e, além disso, limita o uso futuro do registro em função de distorções geradas ao encadear materiais codificados perceptivamente, por exemplo, na criação de um novo programa que incorpore sons e imagens originais.

Devido à grande quantidade de dados exigida para armazenar sinais digitais de vídeo, o uso da redução de dados para formatos de produção foi e continua sendo muito difundido. Idealmente, formatos não-lineares de codificação devem ser preservados em sua forma original. Mas um sério problema pode surgir quando o formato de origem tiver um caráter proprietário como o MiniDisc e o DVCAM (ver IASA-TC 04, 5. 5. 12. 1; IASA-TC 06). A informação primária de tais registros pode ser logicamente migrada para um formato de preservação existente, ou a codificação pode ser mantida como está. Muitas vezes isso será uma decisão das políticas de preservação digital dos arquivos.

12. Gerenciamento de dados: princípios de arquivamento num ambiente de arquivos digitais

As principais ações no arquivamento digital dizem respeito à preservação de bits, ou seja, um conjunto de ações que mantém a integridade dos dados digitais (“fluxos de bits”) geridos pela instituição responsável.

Ações para além da preservação de bits serão necessárias quando o formato do conteúdo entrar em obsolescência. A prática mais comum será a migração de formato, embora (conforme observado nos comentários da seção 10) possa haver contextos em que a emulação do sistema seja necessária. Enquanto decisões de preservação de bits podem ser deixadas para especialistas em tecnologia da informação e aplicações de software e hardware apropriadas, as ações além da preservação de bits serão beneficiadas com o envolvimento das pessoas com as responsabilidades curatoriais. O que está em causa exige consideração sobre as propriedades significantes do conteúdo, a composição da comunidade de pesquisa atendida e uma avaliação da obsolescência do formato e das opções para os novos formatos alvo.

O gerenciamento de dados deve observar os seguintes princípios fundamentais:

  • Os arquivos são geralmente colocados em sistemas de armazenamento por cópia. Esse processo deve produzir duplicatas que sejam comprovadamente idênticas aos originais. Esse processo de verificação da integridade de dados pode ser conseguido por meio da criação prévia de uma soma de verificação (checksum), também conhecida como hash ou digest. O processo de verificação deve acontecer imediatamente após a criação da cópia, idealmente como um procedimento automático.
  • A permanente integridade dos dados de conteúdo dos arquivos deve ser checada a intervalos regulares para garantir que possam ser lidos exatamente como foram escritos, sem erros ou alterações.
  • Contudo, dependendo do formato original do arquivo, pode ser desejável transcodificá-lo para um novo formato alvo, em vez de simplesmente copiar o arquivo original (consulte as seções 10 e 11). Esse processo é conhecido como migração de formato.
  • O conteúdo digital, armazenado em arquivos digitais ou suportes físicos, deve ser copiado para novos suportes físicos antes que ocorram erros incorrigíveis. Quando os formatos originais e alvo são os mesmos, esse processo é conhecido como refrescamento ou migração de mídia.
  • É essencial manter pelo menos duas cópias de preservação digital, de preferência mais, e usar cópias adicionais feitas especialmente para acesso. As cópias de preservação devem ser mantidas em diferentes locais geográficos, sempre que possível. Mecanismos de segurança adicionais também podem ser providenciados através do uso de diferentes tecnologias de armazenamento para cada conjunto de cópias de preservação. Ao escolher quais tecnologias usar, deve-se ter em mente que uma estratégia é tão forte quanto seu elo mais fraco.
  • Cópias de acesso devem ser feitas sempre que possível. Diferentemente das matrizes de arquivo, tais cópias de acesso ou de distribuição podem ser subjetivamente modificadas, a depender dos requisitos dos usuários. A redução de dados também pode ser empregada quando compatível com os requisitos do usuário. Assim como na criação de matrizes de arquivo, a cuidadosa documentação de todos os parâmetros e procedimentos empregados é essencial.
  • Onde possível, as verificações de garantia da integridade de dados deve ser automática, como é factível com equipamentos dentro de repositórios digitais confiáveis. Se isso não for possível, as verificações manuais deverão ser realizadas em uma base estatisticamente significativa.

Comentários:

Embora esses princípios se apliquem igualmente a qualquer forma de preservação de arquivos digitais, os tamanhos relativamente grandes e a natureza temporal do conteúdo audiovisual exigem que as capacidades de armazenamento e largura de banda sejam cuidadosamente consideradas.

Essencialmente, estes princípios são os mesmos recomendados para o mundo analógico. No entanto, uma diferença fundamental é a dimensão qualitativa do mundo dos arquivos digitais, que permite a validação objetiva da integridade dos registros. O monitoramento regular da integridade de dados está entre as obrigações centrais das rotinas da preservação digital. Suportes e sistemas digitais podem falhar e falham, sem aviso prévio e a qualquer momento. Estratégias para minimizar riscos a arquivos digitais são grandemente apoiadas pela criação de redes entre a coleção primária, o usuário e os arquivos de backup.

13. Armazenamento de arquivos a longo prazo

Infraestruturas que permitem a verificação automática da integridade de dados, migração de mídias e, finalmente, migração de formatos com um uso mínimo de interferência humana estão hoje em uso regular na comunidade arquivística (ver IASA-TC 04, 6. 2). No momento da redação deste documento, esses sistemas variam entre de pequena escala, com cerca de 16 TB, até repositórios em tamanho de petabytes. Esse tipo de software de administração existe como soluções proprietárias caríssimas e como softwares gratuitos. Mesmo que um arquivo decida que tal sistema está além de suas possibilidades, não deve adiar a digitalização, mas considerar o uso de suportes discretos de dados como fitas e HDs para armazenamento offline e iniciar procedimentos manuais de verificação de dados.

A preservação responsável dos dados digitais requer sistemas e infraestrutura técnica, monitoramento das condições dos arquivos e a existência de planos para migração de mídia e migração de formato. Todos esses tópicos e outros são discutidos em padrões associados ao modelo de referência para um Sistema Aberto para Arquivamento de Informação (Open Archival Information System, OAIS), baseado na ISO 14721, e em documentos relativos a Repositórios Digitais Confiáveis (Trusted Digital Repositories), baseados na ISO 16363.

Comentários:

Embora o custo de equipamentos e programas para preservação de longo prazo esteja ao alcance de muitos arquivos audiovisuais, o arquivo deve garantir que possui a base de conhecimentos necessária para executar e manter tal sistema. Em abordagens manuais, diferente dos sistemas de armazenamento automatizado, o custo menor de equipamentos e programas é contrabalançado pelo aumento considerável da necessidade de mão-de-obra, com todas as implicações em termos de risco para as mídias e custos de pessoal (ver IASA-TC 04,. 6. 5).

14. Metadados de preservação

Num sentido amplo, os metadados de preservação podem incluir qualquer informação contextual necessária para possibilitar acesso duradouro a conteúdos. Além das necessidades técnicas, isso pode incluir informações necessárias à autenticação de conteúdo, por exemplo. Nesse sentido amplo, os metadados de preservação devem conter detalhes completos sobre:

  • qualquer suporte físico de mídia não baseado em arquivo em que o conteúdo tenha sido mantido, inclusive sua condição
  • o equipamento de reprodução usado no processo de transferência e seus parâmetros
  • o equipamento de captura usado, inclusive o software de renderização conhecido
  • informações de formato do arquivo resultante, inclusive a resolução digital
  • os operadores envolvidos no processo
  • checksum – a assinatura digital que permite a autenticação do arquivo
  • detalhes de quaisquer fontes de informação secundárias.

Na prática, os metadados são em geral separados em categorias, inclusive metadados descritivos, estruturais, administrativos e de preservação. Metadados de preservação em sentido específico são obrigatórios para avaliar os parâmetros técnicos de um registro e para tirar conclusões adequadas para o gerenciamento de preservação. Um subconjunto de metadados de preservação, nomeadamente os metadados necessários para reproduzir fielmente as informações primárias, pode ser considerado parte indispensável de um documento audiovisual.

É muito recomendável que os metadados sejam escritos de acordo com os padrões estabelecidos, da maneira mais consistente possível. Escrever metadados em forma legível por máquinas (por exemplo, usando XML) tem a vantagem adicional de permitir a automação de certas ações de preservação e disseminação.

Comentários:

Metadados, muitas vezes descritos como “dados sobre dados”, são, no ambiente digital, uma extensão detalhada e específica da prática de catalogação. Contudo, quando associados a acervos digitais, são parte necessária de seu uso e controle. Um Conjunto de Metadados de Preservação (Preservation Metadata Set) é uma expressão das informações necessárias para administrar a preservação de acervos digitais. Os metadados de preservação serão um componente fundamental na preservação e administração de qualquer acervo digital e precisam ser estruturados para apoiar as futuras estratégias de preservação. Um componente vital dos metadados de preservação é o checksum ou resumo do arquivo, que é fundamental para o monitoramento da integridade dos dados e verificação de autenticidade. Como tal, pode ser comparado à impressão digital de um determinado arquivo.

A mais completa articulação de metadados de preservação é representado pelo PREMIS (http://www.loc.gov/standards/premis/), produto de um grupo de trabalho internacional ativo entre 2003 e 2005, e periodicamente atualizado e revisado pelos membros da comunidade de bibliotecas digitais. O PREMIS é estruturado em quatro categorias: o Objeto, o Evento, o Agente e os Direitos.

O Objeto diz respeito ao que é armazenado e administrado no repositório de preservação.

O Evento agrega informações sobre as ações que afetam objetos no repositório, vital para manter a origem digital de um objeto, o que, por sua vez, é importante para demonstrar a autenticidade do objeto.

Os Agentes são os atores que têm papel nos eventos e declarações de direitos. Podem ser pessoas, organizações ou programas aplicativos.

As questões relativas a direitos e outras restrições não surgem apenas quando se dá acesso ao conteúdo, mas também quando o preservamos, pois a maioria das estratégias de preservação envolve a produção de cópias idênticas ou versões derivadas dos objetos digitais, ações que podem ser limitadas pela lei de direitos autorais e outras restrições, por exemplo, as exigências impostas por doadores. Os metadados sobre direitos do PREMIS agregam informações sobre restrições que são diretamente relevantes para a preservação de itens do repositório.

Os metadados podem ser armazenados com o objeto que descrevem (por exemplo, em formatos de arquivo que admitem cabeçalhos descritivos ou contêineres de arquivos), separados do objeto (por exemplo, em um catálogo externo) ou separados mas vinculados ao objeto (por exemplo, um arquivo vinculado ao objeto digital numa estrutura de repositório). Cada estratégia tem benefícios e desvantagens específicas. É possível, e provavelmente desejável, usar essas estratégias em paralelo. O uso de contêineres padronizados aparece como uma tendência na preservação digital de materiais audiovisuais, devido a sua capacidade de lidar com relações entre arquivos. Os contêineres também admitem a possibilidade de reter todas as informações primárias de um arquivo dentro no objeto digital.

15. Priorização

Mais cedo ou mais tarde, todos os conteúdos sonoros e audiovisuais destinados à preservação de longo prazo terão de ser transferidos para repositórios de armazenamento em arquivos digitais. Como o processo de transferência é demorado e dispendioso, deve seguir uma estratégia baseada na situação individual das coleções e nas políticas de acervo. Geralmente, os documentos em maior risco, por degradação ou obsolescência técnica, deveriam receber prioridade (ver seções 3 e 4).

Os suportes propensos à degradação devido à instabilidade inerente, ao envelhecimento ou ao manuseio inadequado incluem:

  • cilindros de cera ou celulóide
  • filmes em nitrato
  • discos de áudio instantâneos de todos os tipos, especialmente discos “laqueados”
  • fitas de acetato
  • filmes de acetato com sinais de esmaecimento da cor, a menos que sejam congelados
  • Fitas de vídeo ½” tipo EIAJ
  • Fitas U-matic
  • Suportes ópticos graváveis (CD-R, DVD-R etc.)

A priorização, contudo, deve ser analisada dentro do quadro mais amplo da obsolescência tecnológica. Muitos formatos comuns em suportes físicos, embora degradem, durarão mais que nossa capacidade de reproduzi-los e isso se aplica em particular a muitos formatos em fita magnética (ver seção 4). Para muitos, talvez para a maioria dos arquivos, a obsolescência representará para as coleções uma ameaça muito mais imediata do que a própria degradação.

Quando um arquivo tenciona digitalizar ele mesmo sua coleção audiovisual, recomendase enfaticamente que verifique a quantidade e a qualidade de seus equipamentos diante do tamanho de seu acervo, e que tome medidas imediatas para garantir que terá equipamentos modernos e infraestrutura de suporte suficientes que permitam a ótima reprodução de todo seu acervo (ver seção 7).

Comentários:

Com uma exceção, a lista de suportes acima indicada não implica em uma ordem de prioridade. A priorização de cada coleção deve ser baseada na análise e dependerá das taxas individuais de degradação dos suportes, da disponibilidade de equipamentos de reprodução adequados e, em menor extensão, da existência de cópias duplicadas do material.

A exceção é a prioridade que deve ser dada aos discos de laca ou acetato. Mesmo quando esses discos estejam em perfeitas condições de reprodução, correm o grave risco de rachar ou fissurar sem aviso prévio. Isso acontece devido à tensão constante e crescente entre a camada de verniz e a placa de base de suporte. Essa tensão é gerada pelo encolhimento da camada de verniz. Os discos de laca devem, portanto, receber a mais alta prioridade no programa de duplicação.

A obsolescência dos formatos também está associada ao declínio do mercado para equipamentos de teste (calibragem), incluindo fitas, discos e cassetes de teste, bem como acessórios auxiliares como bobinas e caixas vazias de cassetes, fitas para emendas e pontas etc. O material de teste ainda é produzido por alguns poucos fornecedores e apenas para alguns formatos de som e filme.

16. Cooperação

A troca de informações entre arquivos que realizam trabalhos de preservação é uma obrigação ética. A cooperação nacional e internacional a esse respeito é um imperativo, particularmente na disseminação de informação para instituições menores ou menos especializadas para as quais a realização de todas as etapas necessárias da preservação digital não é viável devido à falta de recursos.

Comentários:

A maior parte do patrimônio audiovisual mundial que reflete a diversidade linguística e cultural da humanidade é mantida por instituições relativamente pequenas, por estudiosos e por particulares. A cooperação e o intercâmbio de informações prepararão melhor as instituições menores a planejar e priorizar seu trabalho, especialmente no que diz respeito aos desafios da preservação e às ações empreendidas pelos arquivos maiores. Em alguns casos, arquivos maiores podem realizar algumas atividades de preservação para as instituições menores, inclusive hospedando pequenas coleções de arquivos digitais até que a preservação digital se torne mais amplamente acessível.

17. Manutenção da base de conhecimento de arquivos

Um arquivo audiovisual depende muito da manutenção de todo um sistema necessário para preservar os documentos sob sua guarda e dar acesso a seu conteúdo. De crucial importância para esse sistema, além de equipamentos e instalações especializadas, é a experiência e o conhecimento de profissionais. É essencial, portanto, que o arquivo trabalhe para se equipar com as habilidades e conhecimentos necessários, e os mantenha e conserve em alto nível. O desenvolvimento e a transferência de conhecimentos para as gerações futuras é um desafio específico, que exige cuidadoso planejamento e recursos.

O arquivo deve, portanto, manter-se e a seus funcionários atualizados com as mais recentes informações científicas e técnicas do campo da arquivística audiovisual. Isso inclui informações relativas à captura de informações primárias e secundárias dos suportes, e melhoramentos nas práticas de preservação e restauração.

Comitê técnico da iasa no momento da revisão

George Boston
Kevin Bradley
George Blood
Mike Casey
Stefano S. Cavaglieri
Matthew Davies
Carl Fleischhauer
Jean-Marc Fontaine
Jouni Frilander
Ross Garrett (Secretário)
Lars Gaustad (Presidente)
Bruce Gordon
Clifford Harkness
Jörg Houpert
Albrecht Häfner
Jean Christophe Kummer
Drago Kunej
Chris Lacinak
Franz Lechleitner
Hermann Lewetz
Xavier Loyant
Brad McCoy
Guy Maréchal
Michel Merten
Stig L. Molneryd
Kate Murray
Marie O’Connel
Bronwyn Officer
Will Prentice
Richard Ranft
Dietrich Schüller (Presidente Emérito)
Joav Shdema
Tommy Sjöberg
Gilles St-Laurent
Bill Storm
Adolph Thal
Nadja Wallaszkovits (Vice-presidente)